O que têm em comum Fernando Aguiar e um aleatório jogador de futebol, para além de ambos respirarem e serem seres orgânicos?
Provavelmente nada, tendo em conta que o jogador de futebol joga de facto à bola.
Fernando, por outro lado, foi meramente um profissional da área. Existem longínquos relatos de indivíduos que juram tê-lo visto em contacto com a redondinha, mas em todas as situações rumoradas, esse mesmo contacto terá acabado em tragédia:
“Foi horrível. Instalou-se o pânico na bancada, as pessoas começaram a correr em direcções opostas, cobrindo os olhos com camisolas e os ouvidos com as mãos. E as crianças, meu Deus! Alguém PENSOU nas crianças?!?”
Jorge “Gazua da Póvoa” Gamboa, companheiro de Aguiar no Beira-Mar de 2000-01, ainda não superou os traumas enfrentados no dealbar de século:
“Nunca mais fui o mesmo. Vi um rapaz dos seus 17 anos a arrancar ambos os olhos com um saca-rolhas. Eu próprio perdi o amor pelo futebol, depois de vislumbrar o Fernando a tentar um passe atrasado sobre a meia-lua, num Beira-Mar – Chaves de 2001. Foi hediondo. Ainda hoje tenho dificuldades em ver trincos com a bola nos pés.”
Fernando, por outro lado, mantém-se à ilharga da polémica. Impõe o físico no duelo 1x1 e sorri perante médios criativos que sejam estúpidos o suficiente para acariciar a redondinha nas suas redondezas. Ser agressivo é crime? Será que o Pensador de Rodin foi criticado por ser demasiado granítico? Fernando é só mais um caso da arte imitando a vida, uma estátua intransponível com responsabilidades de tampão ofensivo. “Estanca a sangria, Nando!”, gritavam-lhe do banco. Ele nunca quis ser odiado. Fernando procurava amor, aceitação. Ele só queria ser amado – e dar porrada.
Serão duas coisas assim tão incompatíveis? O canadiano queixa-se entredentes da incompreensão e ignorância que grassam no futebol luso – a crítica chamusca-lhe o ego, os maliciosos piropos da bancada causam-lhe psoríase, mas o tanque esmaga tudo pelo caminho. Impiedoso, omnipotente, ciclópico.
O colosso da queixada rectangular arrepiou caminho no hercúleo Toronto Blizzard, atravessou o Atlântico a nado (e só com um braço – estava a ler os Lusíadas com o outro) até chegar à Madeira, nadou mais um bocado até à Maia, e foi aniquilando o desporto-rei, relvados vários e canelas aleatórias até atingir o objectivo principal da carreira: destruir um prédio de cinco andares à cabeçada.
E depois, pronto, lá chegou ao Benfica.
A sua contratação causou alguma surpresa, dado que o clube da Luz – apesar de tudo – estava mais habituado a adquirir jogadores de futebol.
Aliás, especula-se que a sua aventura no ex-clube de Alejandro Escalona poderá ter tido a ver com a presença do iraniano Samir Shaker na equipa técnica do mesmo. Os ventos do futebol luso sussurram ainda hoje que o soturno Shaker seria um agente enviado pelo governo de Teerão para aquilatar a disponibilidade de Fernando Aguiar se deslocar ao Médio Oriente para abraçar as funções de arma de destruição maciça na Guerra Santa contra os Infiéis. Samir supostamente já teria levado uma nega de Musa Shannon e Jokanovic no CS Marítimo do ano transacto. Com o cepticismo de Fernando e na sequência de mais uma recusa semi-lusitana à Jihad, Samir Shaker deixaria mesmo o futebol português no final da época, desaparecendo como o vento (ou como Victor Quintana) para parte incerta.
Na sequência da recusa à Jihad - e consequente permanência em Lisboa, Fernando sentia-se lisonjeado por poder partilhar a meia-lua com Andrade:
“Tenho muito a aprender com o Andy. A forma como ele despedaça ossos é lendária. E admiro a subtileza com que ele rasga tendões. Tudo o que envolve o seu jogo é tão etereamente belo, que me apetece dedicar uma Ode às suas proezas.”
Esta épica publicação pela pena de Fernando Aguiar acabou por nunca chegar às livrarias, mas corre a lenda no balneário do Benfica que vários jogadores derramaram comovidas lágrimas ao ler as delicadas estrofes do trinco.
Emanuele Pesaresi compara mesmo Aguiar a um Homem do Renascimento Italiano: “Ele é brilhantti. Suas parolas são tão comoventes e toccantis, que me fizzeram querer abrazzar homens.” Porém, o italiano afiança que as lágrimas foram resultado de outras situações: “Não, não…não houve lágrimas. Quer dizzere, houve, peró foi perché ele nos batia muitas vezes. E doía, doía molto. Porca miseria."
A História de Fernando no Benfica foi bonita. Efémera, como o grosso dos mais tocantes contos de amor, mas sedosa e envolvente como um fio de cabelo de Miguel Veloso. Entre 2002 e 2004, o Estádio da Luz viveu uma frutuosa relação com o trinco, pois não só usufruiu dos inúmeros talentos do jogador mais virtuoso de sempre a sair do Canadá (após Alex Bunbury, obviamente), como também poupou uns cobres no que respeita à demolição do antigo Estádio – conseguindo adquirir as percentagens dos passes da orelha esquerda de Azar Karadas, da coxa direita de Éverson e de um molar de Manuel dos Santos com o dinheiro que entretanto pouparam.
Porém, o grandiloquente canadiano tinha um sonho. Como todo o filho da terra, o Curling era a sua paixão, e por muito ecléctica que a agremiação lisboeta fosse, o desporto das vassourinhas não fazia parte do seu portfólio. Assim, Fernando fez a trouxa, e qual Lucky Luke cavalgando em direcção ao horizonte pintado a tons de pôr-do-sol, deixou a solarenga capital lusa em descoberta do gélido paraíso, de seu nome Landskrona, burgo sueco de fria reputação.
Como bastião maior do Landskrona Boll Och Idrottsällskap, Aguiar conseguiu finalmente preencher mais um vazio da sua gigante alma – manejar uma vassourinha em cima de um parquet de gelo (e destruir um glaciar à cabeçada, mas isso fica para outras núpcias).
Finalmente realizado, Aguiar perdera a raiva, combustível futebolístico de outrora, e era agora um casulo de Paz, um ursinho de pelúcia com fresco odor a lavanda. E a sua performance ressentia-se. No duro campeonato sueco, palco das estrelas e Céu das mais brilhantes constelações da redondinha, Fernando era apenas mais um. A bola atrapalhava, o gelo não ajudava e pela primeira vez na sua vida, o tanque canadiano não ripostava ceifando, arrastando, puxando e maltratando os oponentes. Não. O veterano de tantas batalhas perdera aquilo que o tornara especial.
Assim, só havia uma solução possível - voltar ao local onde fora feliz: onde Fernando Aguiar aprendera a ser Fernando Aguiar. Portu fuckin' gal.
Deixando a meio a tela do sonho pintalgada a Curling, o nosso amigo abandona os barbáricos túneis do Landskrona Boll Och Idrottsällskap para ingressar num clube português cuja sigla é F.C.P. e que conta com Clayton, Folha e Ljubimko Drulovic no ataque. Infelizmente, o calendário segredava o Ano da Graça de 2004 – e o tal F.C.P. era o Futebol Clube de Penafiel, cujo decrépito trio ofensivo cruzava o cautchú em decomposição para a cabeça de Rolf Landerl – hardly a Mário Jardel, i say.
Enfim. É o que se arranja. De qualquer forma, não é qualquer um que tem a Honra de poder contar aos netos que formou barreira ao som dos autoritários grunhidos do lendário keeper João Viva, uma espécie de Pedro Roma das divisões secundárias.
Seduzido pela alva barba do Major Valentim, Fernando ainda deu uma perninha tetra-anual no principal grémio da cidade de Gondomar, onde pôde partilhar balneário com o Fumo, coisa que certamente não lhe terá feito bem aos quatro pulmões. Terminou a carreira flirtando com os quarenta, a distribuir fruta ao lado de ícones como Fabeta e Idalécio.
Decididamente, a coisa poderia ter corrido bem pior para a primeira arma de destruição maciça a sair do Canadá – mesmo que a carreira no Curling não tenha sido inteiramente frutífera.
Post Scriptum Cromatium: algumas destas imagens foram desenvergonhadamente surripiadas do bossiânico blog Vedeta ou Marreta.
4 comentários:
"The children! Won't somebody PLEASE think of the children!!..."
Ahahahah!
grande robocop!
Uma vez joguei um amigável com o Fernando, que era colega do meu pai, e como nos faltava um jogador, perguntamos se ele queria dar uma perninha. Correu mal. Hoje tenho que comer por uma palhinha.
Este último comentário é assombroso. Ri-me como um perdido...
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